Hipotireoidismo e Menopausa - Parte 1
A menopausa representa uma fase de grandes transformações hormonais e metabólicas na vida da mulher. Em mulheres com hipotireoidismo, os sintomas da menopausa variam em intensidade e tendem a se tornar mais pronunciados, complexos e persistentes. Isso se deve à interação entre a deficiência estrogênica da menopausa e a redução dos hormônios tireoidianos, ambos essenciais para o equilíbrio do metabolismo, do humor, da função cardiovascular e da saúde óssea. A sobreposição desses dois quadros hormonais cria um cenário clínico desafiador, em que sintomas se intensificam e se confundem, atrasando diagnósticos e comprometendo a qualidade de vida da mulher.
O hipotireoidismo é uma condição caracterizada pela diminuição na produção dos hormônios tireoidianos, especialmente a tiroxina (T4) e a triiodotironina (T3), ou pela incapacidade desses hormônios de exercerem adequadamente suas funções nos tecidos. Essa deficiência afeta praticamente todos os sistemas do organismo, incluindo o neurológico, cardiovascular, digestivo, músculo-esquelético e reprodutivo.
Por sua vez, a menopausa promove um estado de hipoestrogenismo progressivo, resultando em sintomas como ondas de calor, distúrbios do sono, alterações de humor, perda óssea e redistribuição de gordura corporal. Quando essas duas condições coexistem, há um acúmulo de fatores que dificultam a adaptação do organismo e a estabilização sintomática.
Um dos primeiros sinais de que a menopausa está se intensificando em mulheres com hipotireoidismo é a piora da fadiga. A exaustão física e mental já é um sintoma comum do climatério, mas no hipotireoidismo ela se agrava devido à lentificação metabólica generalizada. As mulheres relatam sentir-se constantemente cansadas, com pouca energia para realizar tarefas simples, e com necessidade aumentada de repouso. Essa fadiga está frequentemente associada à sonolência diurna, dificuldade de concentração e um sentimento persistente de “cérebro nublado”, que pode ser confundido com sinais iniciais de demência, mas que, na verdade, é resultado da ação combinada da carência de estrogênio e de hormônios tireoidianos no sistema nervoso central.
O hipotireoidismo, mesmo em sua forma subclínica, pode agravar riscos cardiovasculares e metabólicos já aumentados pela deficiência estrogênica da menopausa.
Portanto, a relação entre menopausa e hipotireoidismo é marcada por aumento da prevalência de disfunção tireoidiana após a menopausa, sobreposição de sintomas e potencial impacto aditivo nos riscos cardiovasculares e ósseos. Recomenda-se manter um limiar baixo para investigação de disfunção tireoidiana em mulheres no climatério e pós-menopausa.

Além disso, o hipotireoidismo pode agravar complicações metabólicas e cardiovasculares já aumentadas pela deficiência estrogênica da menopausa, como dislipidemia e risco cardiovascular, além de potencializar sintomas neuropsiquiátricos, como depressão e déficit de memória.
O hipotireoidismo também pode contribuir para a piora da qualidade de vida e aumentar o risco de osteoporose, que já é elevado no período pós-menopausa.
A literatura destaca que até mesmo formas subclínicas de hipotireoidismo podem ter impacto negativo sobre sintomas neuropsiquiátricos e metabólicos em mulheres menopausadas, justificando a recomendação de rastreamento mais amplo da função tireoidiana nesse grupo.
Portanto, a coexistência de hipotireoidismo e menopausa pode resultar em sintomas mais intensos e maior risco de complicações, exigindo abordagem diagnóstica e terapêutica cuidadosa.
O comprometimento cognitivo, por sua vez, também se intensifica. Mulheres na menopausa frequentemente referem lapsos de memória, redução da capacidade de foco e maior irritabilidade. O hipotireoidismo contribui diretamente para esses sintomas, ao afetar a produção de neurotransmissores como serotonina e dopamina, fundamentais para o equilíbrio do humor e da função mental. Estudos mostram que a deficiência de hormônios tireoidianos está fortemente ligada ao aumento do risco de depressão, e que o tratamento adequado com levotiroxina pode reverter parte desses sintomas. No entanto, quando o controle do hipotireoidismo é inadequado, os quadros depressivos podem ser persistentes, refratários e confundidos com transtornos psiquiátricos primários.
Outro sintoma que se intensifica de forma marcante é a intolerância ao frio. A menopausa já altera a regulação térmica do corpo, resultando em episódios de ondas de calor e sudorese, sobretudo noturna. Quando somada ao hipotireoidismo, que reduz a termogênese e diminui o fluxo sanguíneo periférico, a mulher passa a alternar entre sensações extremas de calor e frio, o que compromete o conforto, o sono e o bem-estar geral. Essa instabilidade térmica também interfere na qualidade do sono, que se torna mais fragmentado, leve e não reparador. A mulher acorda várias vezes durante a noite, muitas vezes com calafrios, suores ou agitação emocional, e, pela manhã, sente-se ainda mais exausta do que na noite anterior.
A pele, os cabelos e as unhas também sofrem alterações mais acentuadas nesse grupo. A pele, que tende a ficar mais fina e seca com a queda do estrogênio, torna-se ainda mais áspera e ressecada com o hipotireoidismo, que reduz a hidratação natural e o metabolismo dos tecidos cutâneos. Os cabelos, por sua vez, tornam-se quebradiços, com queda mais acentuada, especialmente nas regiões frontal e parietal. As unhas apresentam crescimento lento, perda de brilho e tendência à fragilidade. Esses sinais físicos, embora não graves do ponto de vista clínico, impactam a autoestima feminina, sobretudo em uma fase em que a imagem corporal já está sendo desafiada por mudanças como ganho de peso, flacidez e alterações na composição corporal.

O ganho de peso, aliás, é uma das queixas mais frequentes e frustrantes entre mulheres na menopausa com hipotireoidismo. O metabolismo basal naturalmente desacelera após os 40 anos, mas o hipotireoidismo potencializa essa redução, favorecendo o acúmulo de gordura, especialmente na região abdominal. Além disso, há uma diminuição na massa magra e um aumento na resistência à insulina, o que favorece quadros de pré-diabetes ou agrava o controle glicêmico em mulheres já diabéticas. A resposta ao exercício físico e às dietas também tende a ser mais lenta, o que contribui para uma sensação de impotência diante do espelho e compromete a motivação para mudanças no estilo de vida. Esse acúmulo de gordura visceral também aumenta o risco cardiovascular, já elevado devido à combinação de menopausa e disfunção tireoidiana.
No campo cardiovascular, os efeitos da menopausa se intensificam em mulheres com hipotireoidismo devido ao perfil lipídico alterado que essa condição promove. A queda dos estrogênios já é responsável pelo aumento do colesterol total e do LDL (colesterol “ruim”), além da redução do HDL (colesterol “bom”). O hipotireoidismo, por sua vez, agrava essa dislipidemia, aumentando os níveis de triglicerídeos e promovendo alterações na função endotelial. Isso leva a um risco mais elevado de aterosclerose, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral, exigindo uma abordagem preventiva rigorosa e um controle laboratorial regular.
Na esfera reprodutiva e sexual, a mulher na menopausa com hipotireoidismo também enfrenta mais dificuldades. A libido, já naturalmente reduzida pela queda do estrogênio, sofre um impacto ainda maior com a lentificação do metabolismo e a redução da disposição física e emocional causada pelo hipotireoidismo. A lubrificação vaginal diminui significativamente, resultando em dor durante o ato sexual, infecções recorrentes e até mesmo incontinência urinária, agravada pela atrofia urogenital.
A mulher pode sentir-se desconectada do próprio corpo, envergonhada ou desmotivada para manter uma vida sexual ativa, o que pode gerar conflitos conjugais e sentimentos de inadequação.
O sistema osteoarticular também é afetado de maneira mais intensa. A menopausa já causa uma perda acelerada de massa óssea nos primeiros anos pós-menopausa, devido à ausência de estrogênio, que regula a atividade dos osteoclastos. O hipotireoidismo, especialmente se não tratado, agrava esse desequilíbrio, interferindo na remodelação óssea e na absorção de cálcio. Isso leva a um risco aumentado de osteopenia e osteoporose, mesmo em mulheres mais jovens. Além disso, dores articulares, rigidez matinal e fraqueza muscular são mais comuns, prejudicando a mobilidade e a capacidade funcional da mulher, muitas vezes confundidas com reumatismos ou sinais do envelhecimento normal.
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